Era de uma vez um carvoeiro que tinha três filhas e p’ra sobreviver tinha que ir à lenha. Depois fazia carvão e vendia. Mas um dia choveu. Choveu nunca pôde ir à lenha p’r ‘áquele mato mais fechado. Lembrou-se ir assim p’r ‘áquele mai pequenino p’ra nã se molhar. Depois foi, passou por ô pé d’ uma horta e olhou lá p’ra dentro, viu lá ‘mas couves. E o que é que ele ‘via de pensar? Em pular lá dentro e róbar uma.
Assim que entrou p’ra dentro da horta sentiu ‘ma pancada nas costas, vai a olhar: um preto. E depois o preto disse-lhe que o levava preso. Mas depois ele lá le pediu desculpa e ‘teve-le contando a situação: que tinha três filhas e que nã tinha nada p’ra sobreviver, que tinha vindo à lenha… E depois o preto disse-lhe:
— Bom, nã te faço mal mas tens que me dar a tua filha mais nova.
Bom, ele, no ôtro dia foi e levo-le a filha mai nova. Ficou lá na horta, tinhom um grande palácio e a filha ficou lá e ele vei’-s’ embora. Vei’ s’embora e a filha ficou lá e, todas as noites, depois dela se deitar, aparecia uma pomba lá no quarto e aquela pomba transformava-se num príncipe. E o príncipe deitava-se com ela. Depois de manhã saía, ia-se embora.
E ela um dia começou a andar muito triste, muito triste, e depois ó preto que sentia muita falta da família. Ele disse-lhe:
— Nã pense na sua família menina, olhe que a su’ família vai-lhe dar cabo da sua vida.
Mas ela começou a chorar. Começou a chorar, diz ele assim:
— Atão pronto! Deixe estar qu’ amanhã cedinho vai ter cá, vai ter cá a sua família.
No outro dia lá ‘tavom as irmãs, lá ‘tiverom… E as irmãs p’los jeitos ela diria-le da pomba e as irmãs p’los jeitos puserom-se a espreitar. Puserom-se a espreitar, viom, à noite vir aquela pomba, lavava-se ali numa bacia de água e depois ia-se a deitar com ela. E o que é que elas haviom de pensar: cortarem vidros e pôr na bacia.
A pomba, naquela noite veio, foi tomar banho, foi-se lavar à bacia, cortô-se. Ficou muito ferida e abalou, foi-s’ embora. Abalou foi-s’ embora e o palácio desapareceu. Desapareceu palácio e elas ficarom ali na rua. Ela e as irmãs e o preto. Depois … lá foi a ‘tar com o preto, toda chorosa e o preto disse-le:
— Nã’ chores. Toma lá este novelo de fio e tu jogas-o. Ma’ nã lhe dêxes a ponta. Ê nã te disse que as tuas irmãs te armavom uma traição?! Nã chores. Toma lá este novelo de fio e tu jogas-o a rebolar, mas nã largues a ponta e se fores (vás, vás, vás) onde o fio acabar, é que tu encontrarás o palácio.
Bom, ela assim fez, jogou o novelo de fio a rebolar. Ora, andou uns poucos de dias, andou, andou até que chegou a um certo sítio, onde ‘tava um palácio, depois lá bateu à porta, apareceu uma aia e lá foi falar com a rainha e depois mandarom-na entrar e lá le derom um quarto p’ra ela ficar.
Lá ficou nesse quarto, passou-se tempo e ela teve um menino qu’ era do príncipe pomba que ia lá deitar-se com ela. (Teve um menino e essa aia foi ao quarto…) E a pomba vinha à mesma. Vinha lá. E a aia foi dizer à rainha que aquela menina que ‘tava lá, que tinha um menino que era. Muito parecido, que era igualinho ó Príncepe Pomba. Mas a rainha nã ligou. E ele nessa noite veio, a pomba veio e trouxe-lhe uma toalha em oro, ou bordada a oro ou qualquer coisa assim. E a aia viu-a e conheceu-a e foi dizer à rainha que o menino tinha uma toalha que era tal e qual a do Príncipe Pomba. Mas a rainha tamém nã le ligô assim. Depois, na ôtra noite, ele veio, trouxe-l’ um manto e ôtra coisa que ê nã me lembra agora…. E a aia depois, viu aquilo e foi ôtra vez a dezer à rainha e a rainha já … chamou a atenção e veio ver. Veio ver e depois fechô-se no quarto com a menina e depois ‘teve-le perguntando e ela ‘teve-lhe contando tudo o que se passara. E ela disse-lh’ assim:
— Cond’ ele viere hás-de- le perguntar o qu’é qu’é preciso p’ra le tirar o encanto.
E cond’ ele vinha, vinha lá dormir, transformava-se num príncipe munto bonito. (Foi o que a rapariga contou depois à rainha. A rainha era a mãe dele.) E quand’ ele veio, a seguir, essa noite, ela perguntou-le o que é qu’ era preciso fazer p’ra le tirar o encanto. E ele disse qu’ era simples, era só a boa vontade da mãe dele.
— Minha mãe manda fazer um tanque aí no jardim, e quando o tanque ‘tiver cheio de água do jardim, hã’-de vir três bandos de pombas: um preto, um bando preto, e o outro assim, já mai’ claras, e vem um de pombas brancas. E nessas pombas brancas, a minha mãe que encha uma bacia d’água, e a da frente sou eu. E s’ a minha mãe conseguir jogar a água e apanhar-me resolve o encanto. Bom, ela lá contou à rainha o que ele tinha dito e a rainha mandou fazer [aquilo]. Quando o tanque ‘tava cheio de água lá do jardim, encheu uma bacia e depois lá se pôs à espera, lá veio o bando de pombas pretas, e depois o outro mai’ claro, e quando veio o das pombas brancas ela joga a água da bacia e depois lá o conseguiu apanhar e ele depois transformou-se num príncipe. Transformou-se num príncipe e depois lá ficou muito contente e casou então com ela. E o filho era dele.
Informante: Maria do Rosário Ruivo, Monte dos Pedros (Vale do Poço, Serpa)
Recolhido em Junho de 2009
(António Lopes, Cláudia Machado, Sofia Amorim)
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