segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

CONTO | O JOÃO PARVO

Era uma mulher que tinha um filho, chamava-se João. Mas ele era, coitadito, meio parvo. E então a mãe era muito pobrezinha, e um dia disse-lhe assim:
– Olha, vai-me comprar uma agulha para eu te coser as tuas calças, porque essas já estão todas sujas e todas rotas, mas eu não tenho agulha. Agora vê lá não a percas que eu não tenho dinheiro para comprar mais agulha nenhuma. Traz sempre a agulhinha na mão.
Foi ele foi buscar a agulha. Pelo caminho viu uns miúdos a brincar e foi e diz assim:
– Eu também vou brincar! – estava ali um moitão de palha – Mas onde é que eu hei-de pôr a agulha que não se perca? – vai pôr a agulha no meio da palha.
Quando acabou a brincadeira, lá vai ele à procura da agulha na palha. Onde é que estava a agulha? Não a encontrou!
Chegou cá a casa, diz assim a mãe:
– Atão a agulha?
– Ô mãe, eu trazia a agulha na mão mas adepois vi ali uns rapazes a brincar, pus-me a brincar com eles, pus a agulha na palha, quando vou lá mãe, não estava lá a agulha, não encontrei a agulha.
– Atão uma agulha na palha filho?! Porque é que não puseste a agulha aqui na pala do boné?! – ele usava um boné – Punha-la aqui na pala do boné, e não a perdias!...
No outro dia, diz-lhe a mãe aqui assim... (Lá arranjou cinco tostanitos, coitadinha, naquele tempo…) disse-lhe aqui assim:
– Ai filho não temos nada para comer com o pão! Olha, vai a buscar cinco tostões de manteiga. – era banha de porco — Cinco tostões de manteiga.
Ele o que faz? Vai a buscar a manteiga, onde é que há-de trazer a manteiga? Na boina. Assim que pôs a manteiga na boina, chegou cá com a boina, já se sabe, toda cheia de nódoas, toda cheia de manteiga.
Diz-lhe a mãe aqui assim:
– Ai filho da minha alma, atão agora puseste a manteiga na boina?
– Atão mãe, não foi o que tu me disseste?
(Tinha-lhe dito a mãe mas era para pôr a agulha.)
– Ai não filho, tinhas pegado numa “tejala”, e tinhas trazido a manteiga na “tejala”.
No outro dia, vai um rapaz e diz-lhe assim:
– Olha, vai lá a minha casa que eu dou-te um canito. Mas leva uma coisa qualquer para o trazeres porque, porque ele é muito “piquinino”...
E ele o que faz? A mãe tinha ali uma tigela grande, que era onde fazia as açordas, e era onde fazia os caspachos, e era onde migava as sopas para o caldo, e era… servia para tudo. Ele pega na tejala, que era grande, e vai a buscar o cão. Ora o cão borrou-se todo e borrou aquilo tudo, o cão dentro da tejala. Manêras que chegou cá, a tejala era de barro:
– Ai filho da minha alma! Ai bendito seja Deus! Atã tu meteste o cão aí, e agora eu já vou aí a fazer os gaspachos e as açordas e a deitar os caldos aí nisso? Não pode ser de maneira nenhuma!
– Atã mãe, o que queria que eu fizesse?

– Ó filho, tinhas levado uma cordinha, e tinhas-lhe atado ao pescocinho, e tinha-lo chamado: «bucha, bucha, bucha, bucha,...» o canito vinha.
Bom, no outro dia a mãe, partiu-se-lhe a enfusa, e disse-lhe aqui assim:
– Olha, tens que ir a comprar uma enfusa. Vai lá a comprar a enfusa.
Deu-lhe o dinheiro para a enfusa, ele o que faz: vai a comprar a enfusa e leva a corda. Leva a corda, ata a corda à asa da enfusa: «trru tu tu tu, trru tu tu....», veio arrojando a enfusa, quando chegou cá só trazia a corda e a asa da enfusa, não trazia mais nada. Diz a mãe:
– Ai filho da minha alma, eu já não te posso aturar; de maneira nenhuma! Olha, eu não sei, ou morres tu ou morro eu, que isto não pode ser de maneira nenhuma esta vida assim! Olha, toma lá esta viola velha que está para aqui que era de teu pai, e vai lá aí por esse mundo a tocar viola, a ver se ganhas alguma coisa para comeres, porque eu não ganho para o que tu desperdiças. Tive que comprar uma tigela, tive que comprar uma, uma enfusa, e tu estragas tudo! Tive que comprar manteiga, e manêras que isto assim não pode ser. Vai lá aí por esse mundo, toca viola, a ver se me deixas a alma sossegada, e depois aparece cá daqui a um tempo.
Ele pega na viola e vai por ali. Vê um moitão de gente, muito grande, que era um funeral. Diz ele: «É pá, tá além tanta gente, eu mesmo agora vou além a tocar.» Estava tudo chorando, claro, porque era um funeral, tinha morrido uma pessoa, quando ele chega ali:«tan, tran tan tan.....», pôs-se a tocar na viola. Ora, deram-lhe uma grande sova:


– Ora, atão agora aqui, o defunto aqui, uma pessoa aqui morta, e a gente aqui chorando e você tocando?! Você quando vir assim um ajuntamento destes, vir uma coisa destas, ponha-se mas é a chorar.
– Ó, desculpem, mas não me batam mais... – e assim e assado, lá se foi.
Chegou, estava uma matança, assim na rua, estavam matando um porco, com tudo ali muito contente e aquela coisa toda. Quando ele chega ali, com a viola aqui assim no braço, começa: «Ai, ai que desgraça...»
– Ah! Mas agora que conversa é essa?! Atã você em vez de se pôr aqui a rir e a cantar aqui com a gente, agora põe-se, põe-se a chorar?!
– Atã o que é que hei-de fazer?!
– Ó homem, você em chegando a uma coisa destas, dê-lhe assim uma palmada aqui nas nalgas e diga-lhe aqui assim:
– Muita saúde tenha quem te coma! – (pois, quem comesse o porco).
Ele vai mais para diante, mais para diante o que é que ele vê: um homem coitadinho a fazer as suas necessidades, mas o homem coitadinho, tinha prisão de ventre e dali não saía nada. E estava o homem: «ai, ai, ai...» Ele vai, chega-se além ao rabo do homem, dá-lhe um nalgada e diz:
– É, muita saúde tenha quem te coma! [risos do contador e das crianças]
Diz o homem assim:
– Ó homem, atã você, uma coisa destas! Você quando vir um problema destes diga: «Deus queira que saia todo! Deus queira que saia todo!» Eu estou aqui tão aflito! [risos]
Vai para diante, o que é que ele há-de ver? Um pote daqueles grandes que havia antigamente, uns potes grandes, assim da altura desta casa, não era mentira nenhuma, cheios d’ azeite. Mas o pote, rompeu-se, e o azeite estava a sair, e estava tudo tudo tão aflito, e diz ele assim:
— Deus queira que saia todo! Deus queira que saia todo!
Ó, deram-lhe ali uma sova que o iam matando. [risos]
– Atã você, está vendo o azeite todo a sair... (...) todo para fora, e você está dizendo «Deus queira que saia todo! Deus queira que saia todo !» ?!
– Atã o que digo? O que digo?
– Deus queira que não saia nenhum! Deus queira que não saia nenhum! [risos]
Foi mais para a frente, o que é que ele vê vir? Vê vir um homem que andava a guardar, a guardar os porcos, muitos porcos! E então havia, choveu muito, houve uma trovoada muito grande, um lamaçal muito grande, e os porcos coitadinhos estavam todos atascados, dentro da lama, só já se lhe viam as orelhinhas... E o homem coitadinho sem saber o que havia fazer... (...) e o homem numa aflição muito grande, e ele atã pôs-se assim de roda do homem: [risos]


– Eh! Deus queira que não saia nenhum! Deus queira que não saia nenhum! [risos]
O homem, deixa os porcos, vai-se a ele, dá-lhe uma tareia tão grande, tão grande, tão grande, tão grande, que ele o que é que pensou: «Eu vou mas é a voltar para casa senão matam-me!»
Lá volta ele outra vez para casa e diz:
– Olhe mãe, eu ainda estou melhor aqui do que em lado nenhum! (...) Iam-me matando com (...) [risos]
Pronto, e lá ficou ele com a mãe, e acabou-se o conto. [risos]

Informante: Francisca Calvinho, Vila Verde de Ficalho (Serpa)
Recolhido em Abril de 2009 (António Lopes)

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