segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A FALAR



É conhecida a expressão “a falar é que a gente se entende”. Com efeito, toda a nossa vida gira à volta das palavras ditas. Muito mais do que a escrita, para a qual é necessária uma preparação demorada e uma disposição particular, a fala é espontânea e, desde os nossos primeiros anos de vida, uma acção normal e rotineira.
Falamos quando estamos alegres, falamos quando estamos tristes, falamos sobre tudo e sobre nada, falamos quando estamos acompanhados e, por vezes, falamos mesmo sozinhos.
Apesar da oralidade ser o nosso meio principal de comunicação, falta-lhe o registo. Muito pouco do que é dito fica registado e, por isso, acaba por se perder. Esse é o seu principal defeito. Mas é essa autenticidade e naturalidade que acaba por constituir, simultaneamente, a sua maior virtude. Falar é fácil, imediato, instintivo. E aprendemos um mundo de coisas quando falamos com alguém. A conversa aproxima as pessoas, fá-las partilhar vivências e conhecimentos, projectos e anseios. Mesmo quando discordamos do que está a ser dito, aprendemos sempre e sobretudo tornamo-nos pessoas mais conscientes e informadas. Este conhecimento não tem preço e é indispensável para a formação de cada um de nós.
É o reconhecimento da importância da tradição oral e desta forma de transmissão da memória colectiva, que levou os estudiosos das sociedades humanas a procurar todos os sinais e testemunhos vivos, que pudessem relatar os seus saberes, as suas experiências e histórias de vida. A própria pesquisa histórica começou, desde há 40 anos a esta parte, a interessar-se cada vez mais pelas épocas mais recentes e por estes testemunhos directos da vida passada. Ultrapassou-se, desta forma, a mera indagação do que aconteceu no passado, para ser possível, por exemplo, ter a percepção de como as pessoas se sentiam nessas épocas e como viveram os vários acontecimentos testemunhados. Mais. A própria memória dos contemporâneos passou a ser valorizada como um elemento indispensável para o entendimento das sociedades em que vivemos. Essa ligação entre memória e história possibilitou o reconhecimento da importância dos testemunhos directos que, através da transmissão oral, se tornaram uma fonte adicional de pesquisa e de conhecimento.
Complementam-se, assim, estas duas perspectivas de análise social e de entendimento do devir das sociedades humanas. Enquanto a História produz um conhecimento racional, o mais objectivo possível e baseado numa exposição lógica dos acontecimentos passados, a memória permite também aceder ao conhecimento do passado mas, desta feita, através da subjectividade e flexibilidade dos testemunhos, baseada em sentimentos, emoções e vivências. Aquilo que é dito – mas também aquilo que não é dito – constituem peças indispensáveis para a compreensão da nossa existência. Sobretudo numa época em que as novas tecnologias de informação e comunicação provocam uma acentuada aceleração do tempo, em que o imediato relega o que passou para o puro e simples esquecimento, a recuperação da memória e da história, tornam-se indispensáveis.
Por isso a preservação da tradição oral é tão valiosa e tão urgente. Para que este património cultural não caia no esquecimento. Para que possa ser lembrado e transmitido. Para que a vida colectiva tenha mais significado e para que todos possamos ser melhores pessoas.

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